A paixão pelo futebol transcende as quatro linhas do campo e se manifesta de maneiras únicas ao redor do mundo. No Brasil, o Corinthians, um dos clubes mais populares e amados, tem uma torcida que vai além da simples adoração pelo esporte. Os Gaviões da Fiel, maior torcida organizada do Corinthians, têm uma história rica, marcada por devoção, resistência e participação ativa na vida do clube.
Vamos explorar essa jornada única que se tornou uma parte essencial da identidade corinthiana.
Raízes da Paixão Corinthiana: Décadas de 1920 a 1960
Antes mesmo do surgimento das torcidas organizadas, o Corinthians já tinha seus ícones nas arquibancadas. Dona Elisa Alves do Nascimento, conhecida como Tia Elisa, e Francisco Piciocchi, o “Tantã”, emergiram como torcedores-símbolos nas décadas de 1920 a 1960.
Dona Elisa, nascida no ano de fundação do clube em 1910, tornou-se uma figura marcante. Originária do interior paulistano, ela se mudou para a capital aos oito anos.
A paixão de Dona Elisa pelo Corinthians era tão intensa que, em 1941, após seis anos de frequência assídua nos jogos, ela se tornou sócia do clube, um feito alcançado com grande esforço financeiro.
Manifestações da Paixão nas Arquibancadas da Gaviões da Fiel
Nos anos 1920, durante a estreia do estádio da Fazendinha, torcedores corinthianos já formavam um grupo conhecido como “Extra-Corinthians”.
Essa turma tinha a missão de acompanhar o clube em suas diversas modalidades esportivas. A arquibancada, que comportava apenas duas mil pessoas na época, era palco das primeiras manifestações organizadas de apoio.
O escritor modernista Antônio Alcântara Machado, em sua crônica “Corinthians (2) vs. Palestra (1)” de 1928, registrou o famoso grito de guerra da época: “Que é, que é? É Jacaré? Não é! Que é, que é? É Tubarão? Não é! Então que é? CORINTHIANS!” Essa expressão característica era entoada de maneira ritmada e, de certa forma, peculiar.
Expansão da Devoção nas Décadas Seguintes da Gaviões da Fiel
Na década de 1950, o apoio à equipe corinthiana cresceu exponencialmente. A Gazeta Esportiva organizava campeonatos de torcidas, e a do Corinthians destacava-se como uma das mais vibrantes.
A torcida, na época, entoava o grito de guerra “Uh, Balasquiê! Uh, Balasquiá! Zum, zum, zum, Rá rá rá, CORINTHIANS!”, preenchendo o ambiente com entusiasmo contagiante.
Essa década também testemunhou eventos significativos, como a recepção calorosa à delegação corinthiana após uma bem-sucedida excursão pela Europa em 1952. Mais de 30 mil pessoas se reuniram para saudar os atletas, evidenciando a conexão única entre clube e torcida.
Esses momentos na Fazendinha e no Pacaembu lançaram as bases para a paixão que, posteriormente, se transformaria na fervorosa torcida Gaviões da Fiel.
A década de 1960 marcou o início de uma nova era, onde o embrião da torcida organizada começou a se formar nas arquibancadas, alimentado pela resistência contra a gestão de Wadih Helu. Esse período pavimentou o caminho para a fundação dos Gaviões em 1969, um marco na história da paixão corinthiana.
A década de 1970 marcou uma fase crucial na história dos Gaviões da Fiel, definindo-se não apenas como uma torcida organizada, mas como uma força de resistência frente às adversidades políticas e esportivas do Corinthians.
Esse período começou a moldar a identidade única da torcida, ancorada na luta contra a gestão autoritária de Wadih Helu, que tentava sufocar a criação dos Gaviões por meio de represálias típicas do período ditatorial.
O Embrião da Revolta: 1965 a 1969 da Gaviões da Fiel
Em 1965, um grupo de jovens começou a se reunir nas arquibancadas, questionando não apenas o desempenho do time em campo, mas também a gestão política e administrativa do clube.
Esses encontros informais nas arquibancadas foram a semente que, em 1969, floresceria como o Grêmio Gaviões da Fiel Torcida. A fundação oficial ocorreu em 1º de julho, e o ideal dos fundadores era claro: participar ativamente da vida do clube, mas como uma “força independente”.
A Criação e a Resistência: 1971 a 1975
Contudo, já em 1971, apenas dois anos após a fundação, ocorreu a primeira dissidência. Um dos fundadores decidiu criar a torcida dissidente Camisa 12, apoiada pelo presidente do clube, Wadi Helu. A gestão ditatorial e os desafios políticos eram uma constante, mas a resistência dos Gaviões se fortalecia.
Em 1972, a chapa de Wadih Helu perdeu a eleição para Miguel Martinez, que assumiu a presidência do Corinthians. Os Gaviões da Fiel reivindicaram protagonismo nesse episódio, destacando a derrubada de um ditador à frente do clube como um feito inédito em sua história.
Consolidação e Expansão: 1976 a 1980 da Gaviões da Fiel
A década de 1970 também testemunhou a consolidação da torcida. Em 1974, inaugurou-se a sede social, proporcionando um espaço físico para os Gaviões. Ângelo Fasanelo, sócio da torcida, fundou, portanto, o bloco carnavalesco Gaviões da Fiel em 1975, marcando a entrada da torcida no cenário do carnaval paulistano.
Em 1976, o bloco carnavalesco conquistou seu primeiro título com o enredo “Vai, Corinthians”. Nesse mesmo ano, um curta-metragem intitulado “A Fiel” foi produzido, retratando, portanto, o drama de uma torcida incondicional que persistia nos estádios mesmo em tempos difíceis.
A Mítica Invasão Corintiana de 1976
Entretanto, o ano de 1976 é inesquecível para os Gaviões da Fiel devido à “invasão corintiana”. Mais de 70 mil torcedores corinthianos viajaram até o Rio de Janeiro para apoiar a equipe na semifinal do Campeonato Brasileiro contra o Fluminense.
Esse episódio, comentado até por Nelson Rodrigues, destacou a paixão avassaladora da torcida, reforçando a ideia de que, naquele momento, a torcida corinthiana “ocupou” a cidade.
Expansão nas Arquibancadas e no Carnaval: 1981 a 1988
Os anos 1980 foram marcados por vitórias sucessivas nos desfiles de carnaval. De 1981 a 1988, os Gaviões da Fiel tornaram-se imbatíveis na categoria de Bloco, conquistando 12 títulos em 13 anos de desfile.
Essa supremacia, portanto, atraiu a atenção da Liga das Escolas de Samba de São Paulo, e os Gaviões foram convidados a participar do grupo de acesso das escolas de samba.
Consolidação entre as Grandes Escolas de Samba: 1989 em Diante
Em 1989, no primeiro desfile como escola de samba, os Gaviões da Fiel conquistaram o vice-campeonato. Seis anos depois, em 1995, já no grupo especial, a escola ganhou, portanto, seu primeiro título com o enredo “Coisa boa é para sempre”.
Esse marco levou a escola a se posicionar entre as melhores Escolas de Samba de São Paulo, consolidando-se como a maior em número de componentes.
Os Gaviões Hoje: Referência e Inovação
Atualmente, os Gaviões da Fiel são referência não apenas entre as torcidas organizadas, mas também nas escolas de samba de São Paulo. A cada ano, a torcida busca aprimorar seus desfiles, mantendo a fidelidade às cores do clube: preto e branco.
Com mais de 50 anos de história, os Gaviões da Fiel continuam a desempenhar um papel fundamental na vida do Corinthians, representando não apenas uma torcida, mas uma verdadeira irmandade de paixão pelo futebol e pelo clube do coração.